Epitáfio.

Acordamos com uma companheira inseparável. Estamos vitalmente ligados a ela. Ela não nos escolhe e nem nós temos poder sobre ela, a única coisa em comum que temos é constância. Assim é a morte.

Todo dia podemos morrer. Alguns veem graça na morte, em algumas culturas é um rito de passagem, mas na nossa... É o fim.

É interessante o valor e o descaso que isso nos traz. Alguns não aproveitam e veem na morte a ponteira de escape de uma estadia vazia neste planeta. Outros morrem no ápice de sua felicidade, vítimas do destino irônico.

Me preocupa mesmo, quando alguém tem sua vida tirada de maneira brusca, tão brusca que chega a ser ridiculamente assustador. Às vezes, no decorrer de bobagens feitas ou que lhe são feitas, chegamos a pensar ‘’ eu poderia matar alguém agora’’, eu pensava muito nisso – nessa época eu ainda não escrevia, não descontava nos leitores as frustrações alheias – mas logo me redimia com um pensamento: aquele ser humano, digno ou não de morte, não está nesse mundo sozinho, ele está condicionado a alguém, ele tem uma história. Isso, isso sim é importante.

Quando se tira a vida de alguém não se mata uma pessoa, se mata toda a vivência de uma série de pessoas, se mata uma história, não se apaga. Memórias não são fáceis de ir como um sopro, mas se mata um elemento de uma trama tão complexa, a trama da existência.

Fico irritada quando vejo a violência matando histórias por aí. A violência sempre tem razão, razão de existir. Mas existe uma diferença muito tênue entre violência e estupidez violenta. Um assaltante (acha que) precisa roubar, isso é violência, ele tem um motivo para isso, talvez esteja precisando alimentando um vício, talvez os filhos estejam com fome, talvez tenha um problema psicológico, são razões, não desculpas. Um assaltante roubar e matar sem que a vítima sequer reaja, isso é uma estupidez violenta. É um atentado não só à família ou a vítima, a sociedade se sente parte daquilo, e somos, somos todos mortos também... Alguns podem discordar, mas o ‘’morrer’’ desse sentido não é o de comoção, melhor, não é só de comoção. Se sentir inseguro e isolado pelo crime em sua própria cidade ou casa é um reflexo dessa(s) morte(s).

Cada vida é condicionada à outra, que é condicionada a você. Matar é corromper uma lembrança, uma história, é corromper-se. É um pedaço da sua alma que se vai também. E acredite, quase nunca é necessário matar-se. Sabemos que o mundo caminha para o abismo, que os canais de televisão são manipuladores, que as crianças não respeitam os mais velhos e cada dia mais há menos cabelo na sua cabeça e mais na sua barba. Mexemos em todo o mundo e o mundo agora quer mexer conosco.

Mas e a morte? Será que agora o homem vai aprender a valorizar a morte?

É claro que não. Mas romanticamente ou iludidamente... Temos que levar a morte no sentido de que sendo rito de passagem ou fim, essa escolha é singular. Deve ser digna de respeito, não deve ser tida como um ato egoísta. Não deve ser retirada e principalmente tomada violentamente. Todos gostamos de belos finais, mas cada um gosta de um final belo de um jeito. Esse jeito é seu, assim como sua morte. Uma decisão dela, mas uma condição sua. É a história que vai ter um fim, é certo que esse fim seja de mais alguém?

                                                                                                      nanapocket

Nenhum comentário: