Passeio pela rua da (i)realidade dos trópicos

25-Leopoldo-Mendez_900-652x493Sonhei com coisas absurdas hoje cedo. Me vem um arrepio só de pensar em tanta bobagem. Sonhei que passava por uma rua que não conheço, de um lugar nebuloso, que nem de longe parece com algo que já tenha visto antes. Era sem dúvida um cenário novo.
No lugar tinha muita gente. Gente bonita, feia, baixa, alta, rica e muito pobre. Tinham pessoas. Enquanto passava pelas lojas, cafés e pontos comerciais, via gente jogada ao chão e gente como eu, caminhando sem saber pra onde, sem perguntar dos corpos. Me atentei à uma camisa listrada de branco, vermelho e azul em um beco. Primeiro vi uma camisa, depois a pessoa que tinha dentro dela e a marca vermelha de tiro nas costas daquele jovem preto. Eu ouvi de longe alguém gritando algo como…Douglas.
Continuei caminhando e vi uma multidão amultuada envolta de um ponto da calçada. Pareciam gritos, pensei escutar chicotes cortando o ar e a pele de alguém. Mas não, tinham amarrado alguém em um poste. Era uma criança? era gente demais, e não conseguia ver direito. Percebi que ali tinham pessoas que queriam heroísmo por amarrar o menino ao poste, e tinha quem visse justiça social no ato de prender um ladrãozinho, batedor de carteira, pivete. Vi pancada, vi choro e um corpo quase nu amarrado aquele pedaço de metal.
Era o tal ‘Dimenor’.
Mais a frente vi uma mulher trocando quatro números de uma enorme placa com a foto de um garoto, tinha os dizeres: “Que seja mantida a sentença dos assassinos”. Sentadas perto de onde eu passava, vi duas moças comentando: “Esse é o tal menino Fabrício…dizem que ele foi pro terminal e nunca mais voltou. Parece que nem do corpo sabem, os bandidos nunca revelaram” e voltei meus olhos para aquela suposta mãe, que já estava na esquina com o olhar reticente, como se esperasse o filho voltar.
Ainda tonta com as três cenas e sem saber porque continuava a caminhar sem rumo, persisti na ideia de não ter objetivo além de andar. Parecia que não era meu dia mesmo, e enquanto olhava aqueles tijolos no chão da rua, percebi que a sujeira ia aumentando conforme ia chegando ao final da jornada. Vi um homem vestido com uma daquelas fantasias patéticas de gorila, tentando sem sucesso comer todas as bananas que pareciam cair do céu, porém precisei de dois segundos para entender que não eram presentes de anjos, mas sim protesto dos moradores, que de suas sacadas floridas e conservadas com todo esforço da classe média, lançavam aquilo ao então homem-macaco. Ele desesperadamente tentava rebater o ódio com a provocação de comer todas que caiam aqui e ali, as que batiam em seu corpo e as que caiam nos tijolos quentes.
Pensei em freakshow, pensei em rir, mas quando entendi que o esforço do homem foi vencido pela quantidade de bananas (ou ódio) e que ele começou a desmoronar na minha frente, comecei a correr. E como areia, as cores e o chão começaram a esvair de mim e tive a sensação de cair. Acordei viva, ofegante, suada no meu quarto marfim com cortinas claras, de frente pra minha televisão de 14 polegadas.
Ainda bem que foi só um sonho e não existe mais preconceito nesse mundo. Nem de cor, nem de classe. Graças ao meu bom deus que não sou eu, não sou nós, nem você, ah, são eles. Ainda bem que estou aqui e do meu quarto não vejo essas coisas por aí. No mundo real, só preciso seguir o meu caminho, prefiro mesmo pensar que… pra onde eu ia mesmo?
Som: Aos Olhos de Uma Criança – Emicida
Imagem: Leopoldo Mendez via IdeaFixa

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