Quase encontrei deus na enfermaria

576580_157801461011224_1762713220_nEu não ando devagar. Criei o costume de andar rápido quando tinha mais ou menos 12 anos, quando minha melhor amiga tinha pernas muito maiores que as minhas e eu adorava acompanhá-la pra todos os lados, e é claro, tive que me habituar a quase correr ao seu lado.

Já que andar rápido não é novidade, não percebi que andava ainda mais rápido no corredor daquele hospital. Toda aquela decoração com cor de vômito-de-gato, cinza e cheiro de éter ou sei lá o quê, me fazia pensar que na verdade estava num labirinto do qual nunca ia chegar ao objetivo final. E faziam só três minutos que eu estava ali, quase correndo.

Depois de uma retidão imensa, e uma placa de Enfermaria, finalmente cheguei na ala certa, onde a minha mãe estaria no quarto esperando o médico. Quando encontrei o quarto vi no canto uma mulher cabisbaixa e aparentemente fraca, mas rapidamente voltei os olhos pra porta que pretendia entrar. Foi quando a pessoa fez um ‘psiu’ e me chamou.

Fiquei perplexa em perceber que aquela era a minha mãe. Daqueles esforços que você jamais vai esquecer, eu juntei uma força medonha para não chorar naquele momento. E naquele eu não chorei. Sentei de frente pra ela, estiquei suas pernas. Ela estava fraca, com frio e muita dor.

Falamos de outras coisas, que agora não lembro. Mas são daquelas conversas que todos sabem as razões, distrações dos assuntos principais. E ali era a dor e a demora do médico em chegar. A levei pro quarto, embrulhei com uma toalha que trouxera e ela dormiu, como uma criança cansada. Foi rápido.

Eu sentei ao lado da cama, e do outro lado do quarto, um novo integrante de uma outra família acabara de nascer. A mãe da criança estava deitada (recém operada), a vó olhando o bebê, que pela cor dos lençóis, era uma menina. Fiquei olhando aquela cena, como se não fosse o quinto personagem: uma linha imaginária separava de um lado uma mãe acabara de ganhar uma nova pérola, do outro a minha acabara de perder e esperava uma curetagem.

Olhei pra vó da criança por dois segundos e soube que ela sabia de tudo. Eu não ando devagar, e quase não percebi que corri para o banheiro sem segurar as lágrimas. Chorei com culpa, pois não era hora de chorar.

(Fingia que ela não sabia o que eu estava pensando)

Pensei no que podia fazer para tudo isso parar. Um grande nada veio à mente. O que deu pra fazer, foi sentar, esperar. Depois apareceram para levá-la até a sala de cirurgia e novamente desmoronei enquanto voltava de lá com suas roupas, depois de vê-la se despir para se desfazer do título de ‘mãe de quatro filhos’.

Em certos momentos, entre uma lamentação e outra entendi porque em momentos de dificuldade os humanos procuram um deus. Não foi um julgamento, como aqueles que temos nos programas de igreja que passam de madrugada, não senti pena de quem coloca o copo d’água em cima da televisão. Apenas compreendi. É dureza, meus irmãos.

E levantar as mãos para o céu e pedir ajuda não me pareceu loucura naquela hora. Não o fiz, mas não me pareceu nenhum pouco estranho imaginar que alguém no meu lugar sairia às pressas para o estacionamento gritando “Deus, porque me abandonaste?” naquele tom de súplica com reclamação. Somos fracos e nos limitamos. Fui fraca e chorei e me limitei ao que podia fazer, já que não sou médica, esperei. Mas nessas horas podemos ser cegos, gritar, exigir um milagre e perguntar o porquê das férias eternas de Deus enquanto solicitamos uma (in)grata ajuda.

Eu entendi um pouco mais de fé. Entendi um tanto de tudo aquele dia. E tive um gostinho do que é a relação de velhice entre pais e filhos, cuidados fomos e cuidadores seremos. Minha velhinha ali no corredor já fui eu com crise de asma do 0 até meus 7 anos e assim como ela esteve segurando meu braço impedindo que eu coçasse e tirasse a agulha do braço, quero estar cobrindo suas pernas geladas, nem que seja com aquela toalha velha.

Som: That’s Okay – The Hush Sound

Imagem: Tra l'ombra e l'anima

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